Primeiro missionário presbiteriano no nordeste brasileiro e primeiro professor do
Seminário Presbiteriano
John Rockwell Smith, obreiro da Igreja Presbiteriana do Sul dos Estados Unidos, nasceu
em Lexington, Estado de Kentucky, em 29 de dezembro de 1846. Estudou na Universidade
da Virgínia, em Charlottesville. Após formar-se em teologia no Seminário Union (1868-
1871), em Hampden-Sydney, no Estado da Virgínia, foi licenciado pelo Presbitério de West
Lexington em junho de 1871 e ordenado em 18 de dezembro de 1872. Trabalhou como
licenciado em Winchester, no seu estado, de outubro de 1871 até abril de 1872. Desde
1871, foi aceito, ao lado do casal John e Agnes Boyle, como voluntário para o novo
trabalho missionário a ser iniciado no norte do Brasil. A abertura desse trabalho foi
viabilizada por contribuições das Igrejas Presbiterianas de Nova Órleans (Louisiana) e
Mobile (Alabama).
No dia 15 de janeiro de 1873 Smith chegou a Pernambuco, onde realizou um notável
trabalho pioneiro como missionário e educador. Iniciou os cultos em 10 de agosto do
mesmo ano, tendo por auditório dez adultos e algumas crianças. Como ainda não manejava bem a língua, teve de ler o seu sermão sobre Lucas 4.16-22. No dia 30, registrou numa pequena agenda de bolso: “É um frágil começo”. Naquela época, o único outro trabalho evangélico no Recife era o dos congregacionais, dirigido por Manoel José da Silva Viana, um diácono da igreja do Rev. Robert R. Kalley no Rio de Janeiro e colportor da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira.
Segundo o historiador Vicente Temudo Lessa, Smith foi o “Simonton do Norte”. Cercou-se
de um seleto grupo de colportores-evangelistas que fizeram importante trabalho
preparatório para missionários como ele próprio, DeLacey Wardlaw, George W. Butler,
Joseph H. Gauss e William M. Thompson. Em outubro de 1875, criou o periódico Salvação
de Graça, que teve curta duração, sendo publicados apenas doze números. Era impresso em Lisboa, porque nenhuma tipografia do Recife quis pegar o serviço. Nesse esforço, teve aimportante colaboração do Rev. William LeConte, que, após breve estadia no Brasil,
faleceu nos Estados Unidos em fins de 1876.
O Rev. Smith organizou a Igreja Presbiteriana de Recife em 11 de agosto de 1878,
acompanhado pelo Rev. Alexander L. Blackford, que então viajava a serviço da Sociedade
Bíblica Americana. Entre os doze membros fundadores, estavam três moços que depois
abraçaram o ministério: João Batista de Lima, José Francisco Primênio da Silva e Belmiro
de Araújo César. Esses jovens faziam parte de uma pequena classe para o estudo do Breve Catecismo. Desejando prepará-los para o ministério, Smith contratou-os como colportores ou evangelistas de tempo parcial, o que lhes proporcionou experiência prática e sustento financeiro durante os estudos. Além de Recife, Smith foi pioneiro em muitos outros
lugares. Nos anos seguintes, ele também organizou as Igrejas de Goiana (21-11-1880),
Paraíba, atual João Pessoa (21-12-1884), Pão de Açúcar (18-08-1887) e Maceió (11-09-
1887), sempre debaixo de forte oposição dos adversários.
Em 1879, ocorreu em Pernambuco o famoso caso do “neófito”. Num dos jornais de Recife,
começou a sair uma série de artigos caluniosos contra o protestantismo. No ano seguinte,
tais artigos foram reunidos em um opúsculo intitulado “Perguntas respeitosas dirigidas ao
sr. ministro da igreja evangélica nesta província por um neófito da mesma igreja.” O
suposto neófito era na realidade o frei capuchinho Celestino de Pedávoli, que promovia
intensa campanha contra os evangélicos. Através do folheto “O neófito desmentido”, o Rev.
Smith deu uma resposta concisa e cabal ao pretenso membro do seu rebanho.
Durante vários anos, Smith teve de trabalhar praticamente sozinho, porque os poucos
colegas que vieram ajudá-lo foram transferidos (casal Boyle) ou morreram (LeConte,
Ballard F. Thompson). A chegada do casal Wardlaw, em 1880, permitiu que ele tivesse o
descanso mui necessário, indo em 1881 visitar o trabalho no sul do Brasil. Enquanto ali
estava, conheceu Susan Carolina Porter (1857-1921), com a qual se casou. Susan era filha
de um casal do Alabama que veio para o Brasil logo após a Guerra Civil norte-americana.
Logo que chegaram ao Rio de Janeiro, o pai, James D. Porter, morreu de febre amarela. A
viúva, Susan Meggs Porter (1825-1890), mudou-se então para Campinas, onde abriu uma
pensão para americanos e ingleses. Mais tarde, Dona Susan Porter e a filha Ella Virginia
Porter foram para a capital, tendo sido arroladas na Igreja de São Paulo em 4 de março de
1887. A jovem Ella veio a casar-se com o missionário metodista Rev. Edmund A. Tilly
(1860-1917). Outro filho dessa família, William Calvin Porter, também seria um valoroso
obreiro presbiteriano no Nordeste do Brasil.
Com a transferência do casal Wardlaw para Fortaleza em outubro de 1882, Smith ficou
novamente sozinho, mas a chegada do Dr. George Butler em fevereiro de 1883 permitiu
que em novembro desse ano o casal Smith tivesse o seu “furlough” (férias e divulgação do
trabalho) nos Estados Unidos. Foram as primeiras férias de Smith em onze anos. A Sra.
Wardlaw e seus filhos foram com eles. Quando os Smith regressaram para o Brasil em
setembro de 1884, trouxeram consigo o Rev. Joseph Henry Gauss e sua esposa. No mesmo ano, outro obreiro chegou para auxiliar no trabalho do Recife: William C. Porter, cunhado de Smith. No dia 11 de novembro de 1884, foi criada na Igreja de Recife a primeira
Sociedade de Senhoras da Igreja Presbiteriana do Brasil.
O Rev. Smith possuía vasta cultura teológica, nutrida por sua rica biblioteca. Seus longos
sermões, de cinqüenta minutos pelo menos, eram profundamente doutrinários e firmemente calvinistas. Sua carreira como preparador de futuros ministros começou no Nordeste. Ele lecionava todas as matérias, inclusive o grego. Em 22 de maio de 1887, assistido pelos Revs. Blackford e Wardlaw, ordenou a sua primeira turma de três estudantes, os já citados João Batista de Lima, José Primênio e Belmiro César. Também foram seus alunos no nordeste os Revs. William C. Porter, Juventino Marinho da Silva e Manoel Alfredo Guimarães. Em 17 de agosto de 1888, os missionários Smith, Wardlaw e Butler, bem como os pastores recém-ordenados Lima, Primênio e Belmiro e o presbítero William C. Porter organizaram o Presbitério de Pernambuco.
Quando da organização do Sínodo da Igreja Presbiteriana do Brasil, em setembro de 1888,
Smith foi o relator da comissão que recomendou a criação do Seminário Presbiteriano.
Foram eleitos professores o Rev. Smith e o Rev. Blackford, que veio a falecer em 1890. Em
1891, a Universidade Central de Kentucky concedeu a Smith o título de Doutor em
Divindade (D.D.). Em fins de 1892, Smith mudou-se para Nova Friburgo, no Estado do
Rio, onde o seminário foi inaugurado no dia 15 de novembro. Os outros professores eram o
Rev. John M. Kyle, pastor da igreja presbiteriana local, e o Rev. João Gaspar Meyer, pastor
luterano. Havia apenas quatro alunos: Franklin do Nascimento, Manoel Alfredo Guimarães,
Alberto Meyer e o futuro historiador Vicente Temudo Lessa. Além de teologia, o Rev.
Smith lecionava inglês, história, geografia, aritmética e rudimentos de grego e hebraico.
No início de 1895, o Rev. Smith, sua família e os estudantes mudaram-se para São Paulo,
para onde se transferiu o seminário, unindo-se ao Instituto Teológico criado dois anos antes
pelo Rev. Eduardo Carlos Pereira. Além de lecionar, o Rev. Smith colaborou com a 1ª
Igreja Presbiteriana, onde pregava freqüentemente. No Sínodo de 1897, ele apresentou a
controvertida “Moção Smith”, solicitando que as igrejas-mães norte-americanas ajudassem
a igreja brasileira no trabalho de evangelização por métodos diretos, aplicando seus
recursos na preparação de ministros e no sustento de escolas para os filhos dos crentes, e
não em grandes colégios. Desde 1878 Smith havia adquirido a convicção de que os
missionários não deviam envolver-se com escolas voltadas para fins seculares. Em 1906,
essa posição iria influenciar a divisão da Missão Sul em Missão Leste, com sede em Lavras
(favorável às escolas), e Missão Oeste, sediada em Campinas (contrária às mesmas).
Com a crise que resultou na divisão da igreja (1903), a família Smith passou a freqüentar a
Igreja Presbiteriana Unida de São Paulo. De 1903 a 1905, Dona Carolina foi presidente da
Sociedade Auxiliadora de Senhoras (SAS), que participava da campanha para a compra do
terreno da Rua Helvetia e a construção do templo (passou a denominar-se SAF em 1936).
No início de 1907 o seminário transferiu-se para Campinas, onde o Rev. Smith findou a sua
longa carreira como pastor e educador. Além de dirigir o seminário, ocupou as cadeiras de
grego, teologia sistemática, teologia prática e governo eclesiástico. Em 1910, foi para os
Estados Unidos em tratamento de saúde. De regresso, continuou a servir à igreja; além de
trabalhar no seminário, pregava regularmente em dois lugares próximos à cidade. De 1904 a 1914, participou da comissão interdenominacional que, sob a direção do Dr. Hugh Clarence Tucker (1857-1956), secretário executivo da Sociedade Bíblica Americana, preparou uma nova tradução da Bíblia, a “Tradução Brasileira”, publicada em 1917.
Smith preparou mais de cinqüenta homens para o ministério. Entre os seus últimos alunos
estiveram Jorge Goulart, Galdino Moreira, Guilherme Kerr e José Carlos Nogueira. Quando
um deles lhe observou que precisava descansar, o Rev. Smith respondeu: “Terei a
eternidade inteira para descansar”. Devido a problemas de saúde, aposentou-se em
dezembro de 1917. Poucos dias antes de morrer, em 9 de abril de 1918, disse ao acordar
que sonhara estar distribuindo folhetos no interior do Brasil. Sua esposa, Dona Carolina,
faleceu em 17 de novembro de 1921. O túmulo do casal no Cemitério da Saudade, em
Campinas, tem os dizeres: “Pelejaram a boa peleja, guardaram a fé. Quem nos separará do
amor de Cristo?”
O casal Smith teve quatro filhos e duas filhas. Dos filhos, três seguiram a carreira
ministerial (James Porter, Robert Benjamin e William Kyle) e o outro foi médico (Rockwell
Emerson). Sua filha Sarah Warfield Smith casou-se com o missionário Rev. Gaston Boyle
(1882-1965). O primogênito, James Porter Smith, nascido no Recife em 19 de agosto de
1882, após estudar no Seminário Union, em Richmond, regressou ao Brasil em 1909. No
mesmo ano, casou-se com Sadie Miller Hall, de Vila Americana, e em 1910 foi ordenado
em Sorocaba. Pastoreou várias igrejas do Presbitério de São Paulo e lecionou no Seminário de Campinas de 1918 a 1930, sucedendo o seu progenitor. Escreveu o livro An Open Door in Brazil (Uma Porta Aberta no Brasil, 1925), um relato da obra missionária da Igreja do Sul em terras brasileiras. Regressando aos Estados Unidos, tornou-se professor de teologia no Seminário Union. Foi o último missionário da Missão Oeste a deixar a região de Campinas. Faleceu em Richmond no dia 31 de julho de 1940.
Seu irmão, Robert Benjamin Smith, nascido em Friburgo em 24 de agosto de 1893, estudou para o ministério nos Estados Unidos e veio para Pernambuco em 1923. Foi pastor em Areias e professor no Seminário do Recife. Regressou aos Estados Unidos em 1929. Pelo menos seis netos do Rev. John R. Smith também foram pastores. O Rev. Dr. Morton H.
Smith, seu sobrinho-neto, com 78 anos, é professor de teologia bíblica e sistemática no
Seminário Teológico Presbiteriano de Greenville, na Carolina do Sul. Ele foi o primeiro
secretário executivo da Igreja Presbiteriana da América – PCA (1973-1988) e em 2000 foi
eleito moderador da Assembléia Geral dessa igreja. É autor de muitos livros e ensaios, e
ocasionalmente tem visitado o Brasil.
Bibliografia:
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Ferreira, História da IPB, I:154-160, 169, 181-83, 191s, 234-36, 285, 293, 300, 341,
369-71, 395-400, 420s, 577; II:49, 132, 154, 191, 277, 284, 366s.
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Richmond: Presbyterian Committee of Publication, 1925.
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Autor:Alderi de S. Matos