A Vida de Cecília Rodrigues Siqueira (Prof.ª) (1886-1968)

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A educadora D. Cecília destacou-se nos meios educacionais do Estado de Minas Gerais e, através dos alunos que passaram pelo Colégio Evangélico, mais tarde líderes políticos que, a Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais achou por bem conferir-lhe o Título de Cidadã Honorária de Minas Gerais.
Cecília Rodrigues Siqueira, líder das mulheres presbiterianas: uma voz feminina condecorada [1]

(…) Muito justa e oportuna foi também a “Medalha da Inconfidência” que D. Cecília recebeu na histórica cidade mineira de Ouro Preto, a 21 de abril de 1966, conferida pelos seus sessenta anos de magistério, pela sua excelente função de educadora, pelo elevado patrimônio moral, intelectual e espiritual que construiu em nossa Pátria. Convém ressaltar que a Medalha da Inconfidência não é concedida a qualquer pessoa. Até então, apenas duas mulheres tiveram a glória de recebê-la: D. Cecília e uma neta do grande Rui Barbosa. Era aquela uma honra raríssima concedida a mulheres. (Roberto Gripp) [2]

Cecília Rodrigues nasceu em Lucena, na Paraíba, em 14 de fevereiro de 1885. Seu pai era Luiz França Rodrigues, pescador e sua mãe Tereza Falcão Rodrigues.

Quando menina, gostava de brincar de escolinha, e na escola de verdade era uma das melhores alunas. Como, na maioria das vezes, era a única que respondia corretamente as perguntas da professora, era a responsável por “dar os bolos” [3] nos alunos que erravam.

 Quando estava com oito anos, observou, juntamente com sua mãe, um colportor da “nova seita”, sendo ameaçado por um delegado de queimar suas Bíblias. A mãe apressou-se em informar o esposo do que ocorria. Seu Luiz, homem de caráter, era considerado e respeitado pelas pessoas em sua localidade. Embora sem interesse na “nova seita”, Seu Lula (apelido de Luiz) achou injusta a perseguição e dirigiu-se ao lugar do motim.

Lá chegando, pegou o colportor pelo braço e o retirou do local, levando-o para sua casa, onde a mãe de Cecília o convidou para pregar. O pai da menina foi um dos primeiros a se converter e ser batizado.

Com apenas onze anos, a menina também foi tocada pela mensagem do Evangelho e a aceitou. A mãe queria que a filha, tão inteligente e vivaz, estudasse, e as duas oravam juntas para que Deus abrisse as portas.

Cecília estava com quinze anos na virada do século dezenove para o vinte. E continuava pedindo a Deus que realizasse seu sonho de estudar para ser uma professora.

Cecília: estudos e ensino

O missionário George Edward Henderlite informou ao pai de Cecília que os evangélicos iriam abrir uma escola em Garanhuns e convidou a menina para morar com sua família e estudar lá.

Seu Luiz concordou prontamente, pois sabia do grande desejo da filha. Muito feliz, ela deixou Lucena e partiu para prosseguir seus estudos.

O fundador e diretor do colégio era o Rev. Martinho de Oliveira, um pioneiro corajoso que enfrentou tremendas perseguições e o primeiro aluno foi Jerônimo Queiros, membro de uma família que muito contribuiu com a igreja presbiteriana e com a sociedade nordestina.

Essa escola chamada de Escola Paroquial Evangélica de Garanhuns foi o embrião do Colégio Evangélico Quinze de Novembro e do atual Seminário Presbiteriano do Norte, pois além do programa regular de ensino, possuía um curso especial, a Escola Teológica, que preparava jovens para o ministério evangélico.

Com o falecimento do Rev. Martinho, em 1903, a escola foi fechada e Cecília foi para Natal para a escola do Rev. William Calvin Porter, que também fechou. De volta à sua casa, ela ensinava aos irmãos o que tinha aprendido.

Após um ano, recebeu uma carta de Miss Eliza Reed que a convidava para estudar e ajudar na escola que abriria em Recife. Cecília foi uma das dezoito alunas, quão as quais a Escola Americana foi aberta, em 1904.

Naquela escola, que posteriormente foi denominada Colégio Evangélico Agnes Erskine, ela cursou o secundário, ajudando outras alunas e auxiliando a missionária em várias e árduas tarefas. Escrevendo sobre o colégio, informou Miss Margareth Douglas, substituta de Miss Eliza Reed:

Esta história (do Agnes) não seria completa sem um tributo de louvor ao serviço esplêndido prestado naquele ano difícil (1906) por D. Cecília Rodrigues. Era ela o meu braço forte, servindo-me de intérprete, informando-me dos planos de trabalho, aconselhando-me, arcando enfim com grande parte da responsabilidade. O nome dela merece menção especial. [4]

Quando a escola secular de Garanhuns reabriu, sob a direção do Rev. Henderlite, em 1908, ela voltou como professora, trabalhando com alegria e disposição.

Para a época, Cecília era uma jovem bem progressista e se tornou líder do movimento em prol dos direitos da mulher. Para elas discursava, enfaticamente:

Mas, então, porque, as mulheres não podem exercer o direito de voto? Não somos, por acaso, tão brasileiras quanto os homens? Não temos tanto quanto eles, capacidade para entender e discernir as coisas? Não estamos lado a lado construindo a nação através desta geração que educamos e formamos, através do magistério e de outros afazeres? Por que, então, não podemos também escolher com o voto os nossos governantes? Isso não pode continuar assim, minhas amigas. Levantemo-nos, e lutemos pela conquista de nossos direitos cívicos! [5]

Quando, anos depois, recebeu o título de cidadã mineira, ela recordou esses tempos:

(…) A respeito da professora Marta Nair que não somente é professora, mas também membro desta Assembleia Legislativa, ela personifica tudo aqui que desejei para a mulher em minha terra, quando, no passado, ainda muito nova, eu me esforçava nas cidades de Pernambuco, principalmente em Garanhuns, por meio da minha palavra, escrevendo sobre os direitos da mulher, ensinando moços, ensinando homens analfabetos a assinarem o nome, para que pudesse votar. Eu, porém, não tinha o direito de votar.(…) Hoje, eu vejo a professora Marta Nair – e gosto de dizer professora Marta – nesta Casa; ela é uma das nossas representantes na Assembleia. Considero isto uma glória, uma vitória, não propriamente minha, mas a vitória da professora Marta Nair que conseguiu vencer onde alguns homens, ou talvez muitos, não tenham triunfado.[6]

Recordou também que na época de luta que agitava a Nação, entre o militarismo e o civismo, ela queria muito votar no candidato com o qual se identificava, o intelectual Ruy Barbosa. Então, preparou seus papéis requerendo seu título de eleitor e os colocou no meio de outros, para que o juiz de direito os assinasse. O juiz, que era pai de seus alunos, reconheceu sua letra, e rindo, falou: “Diga a ela que reforme a Constituição e volte…”

O deputado Miranda afirmou que: “sua pena flamejou nos jornais da época. Acabou ganhando a luta, da qual não se envaideceu. Afinal, toda a sua vida sempre fora uma batalha, desde quando simples filha de pescadores, resolveu educar-se. E ensino, era, ao tempo, só para homens, filhos de gente rica”.[7]

Uma violenta epidemia de bubônica[8] assolou Garanhuns, naquela época, e Cecília, mesmo não querendo deixar a cidade, precisou partir. Ela foi convidada a morar na casa do Rev. George Butler, em Canhotinho e abrir uma escola na localidade.

O missionário era um médico dedicado que ia aos lugares mais distantes, e atendia a qualquer hora, viajando em lombos de burros ou carros de bois e enfrentando toda sorte de doenças. Foi ele o introdutor do Raio X, em Canhotinho e Garanhuns.

Cecília Rodrigues: início da vida conjugal e partida para Presidente Soares

Foi na casa do Rev. Dr. Butler, o médico amado de Pernambuco, que Cecília reencontrou com seu ex-aluno, do Seminário Teológico de Garanhuns, o Rev. Cícero Siqueira, por quem se apaixonou.

Para ele, dedicou a poesia a seguir:

Família Siqueira

Amo-te  

Deu-te o sol essa luz dos olhos belos,
Tingindo, amigo, o teu cabelo d’ouro.
Filho és d’aurora, dos gentis desvelos
Surgiste alegre como o raio louro.

A flor deu-te o perfume dos seus sonhos
E amenizou-te o hálito divino,
Recorda a tua voz, trinos risonhos
Do passaredo o canto matutino.

Eu te amo! Eu te amo como se ama a vida,
Anjo baixado de celeste altura
Do meu coração aspiração querida.

Vejo-te agora. Como és belo e nobre!
Benditas seja, santa criatura!
Meu coração de bênçãos mil te cobre! [9]

Casaram-se em 02 de fevereiro de 1917, seis dias após a ordenação ao ministério pastoral de Cícero. Ambos eram tão pobres que Cecília não teve um vestido de noiva. Isso, porém, não afetou a alegria do jovem casal, que lutou bravamente no início da vida conjugal, pois lhes faltavam recursos financeiros.

Logo nasceu o primeiro filho, Cleanto, que trouxe grande alegria aos pais. Com apenas dois anos, a criança foi acometida de paralisia infantil e só pode andar devido à grande fé e ferventes orações de Cícero e Cecília.

Em agosto de 1918, o Dr. Butler, viajou para os Estados Unidos, deixando o novo pastor encarregado da igreja e Cecília encarregada do Colégio Evangélico.

Após doze anos na cidade, em 1929, o casal estava com oito filhos: Cleantho, George, Cícero, Célio, Cecília, Cephas, Clícia e Cyro, quando o Rev. Cícero recebeu convite para pastorear em Presidente Soares, Minas Gerais, e para lá se transferiu, em uma difícil viagem de dez dias, com os filhos, D. Luzia, sua mãe e a esposa, grávida do nono filho.

Logo após a chegada da família, o caçula Cyro foi acometido por séria crise e faleceu. O novo bebê que chegou recebeu seu nome.

Cecília Siqueira: a sábia esposa de pastor e preocupada cidadã jequitibaense

Cecília dizia que a profissão de pastor não rendia dinheiro, mas conferia honras. Seu esposo, porém, as recusou quando decidiu transferir-se para a distante cidade de Presidente Soares, antiga Vila de Alto Jequitibá.

Seus colegas de presbitério não queriam perdê-lo, um velho amigo e professor lhe disse: “é preciso que você reconheça que a nenhum homem de sua profissão foram oferecidas tantas vantagens e honrarias para permanecer no lugar em que você está. Foram oferecidas e você recusou tudo isto, para viver num lugar que não se encontra no mapa”.[10]

Depois de vencidas as dificuldades, quando o nome de Cícero Siqueira era conhecido em toda a região, ele novamente recusou honras e, convidado para se tornar um político, respondeu: “Eu já sou embaixador; aqui estou como embaixador do meu Senhor. Já tenho a posição mais elevada que posso aspirar. Não aceitarei, de modo algum, nenhuma posição política, porque estou muito interessado na política do meu Senhor”. [11]

Como esposa de um pastor tão vocacionado, D. Cecília não somente contribuiu para o êxito de seu ministério como também para melhoria da cidade onde pastoreavam. Como a rainha Ester, usou do recurso de convidar o prefeito da cidade para jantar em sua casa e lhe pedir providências:

Cecília, mulher inteligente, se preocupava muito sobre o que poderia ser feito para melhorar a Vila de Alto Jequitibá. Para exemplificar, podemos relatar o que ela planejou para melhorar as ruas da Vila de Alto Jequitibá, logo no início, quando aqui chegaram. Ela falou ao Rev. Cícero: “Com tanta lama nas ruas, brevemente ninguém poderá mais sair de casa. Será que o prefeito não vai dar um jeito nisso?” Alto Jequitibá era um Distrito de Manhumirim e o prefeito não parecia lembrar-se da pequena Vila para melhorar, pelo menos um pouco, as suas ruas, mandando colocar um pouco de cascalho, já que calçá-las estava completamente fora de seus planos. Não havia sapatos que resistissem ao lodaçal. E assim acontecia. Os dias passavam, iam e vinham as invernadas e nem sinal de que viriam os melhoramentos que o povo tanto reclamava. Um dia, Dona Cecília disse ao marido: “É preciso fazer alguma coisa para que o prefeito se lembre das ruas de Jequitibá”. O Rev. Respondeu: “Mas, fazer o quê?” ela ficou meditando bastante tempo e depois, com o rosto animado disse: “Nós poderíamos convidar o prefeito para vir jantar conosco, o que acha?” E assim aconteceu. Em um daqueles dias das ruas bastante enlameadas o Prefeito aceitou, com prazer, o convite para jantar, considerando ser uma homenagem que o diretor do Ginásio Evangélico estava lhe prestando. A lama tomava conta das ruas. A estreita calçada da casa pastoral escorregava perigosamente. O prefeito ao sair do automóvel teve de tomar bastante cuidado para não escorregar naquela lama. Então, D. Cecília, aproveitando a oportunidade, sugeriu muito a propósito: “Senhor prefeito, cascalhos poderiam melhorar estas ruas. Se o senhor pudesse mandar colocar cascalhos…” O prefeito não teve outra saída e respondeu: “Sim, mandarei colocar cascalhos nas ruas de Alto Jequitibá”. [12]

Quando o casal chegou ao Alto Jequitibá, o Ginásio Evangélico, de propriedade da igreja, encontrava-se em situação crítica, prestes a encerrar suas atividades. O Rev. Cícero e a esposa fizeram todos os esforços possíveis e conseguiram evitar o fechamento.

 Ela enfrentou toda dificuldade ao lado do marido e contou que: “ele começou a trabalhar, trabalhou tanto esse homem que às vezes nem podia dormir de tão preocupado. Eu tinha de estar ao seu lado e sempre assistia suas noites de insônia que muito me afligiam”.[13]

 Em 1963, o colégio, que não foi fechado, estava com 790 alunos, segundo reportagem da revista Manchete:

O Colégio Evangélico foi fundado pelo reverendo Aníbal Mora, em 1924, e se tornou, com o tempo, o principal educandário da região, estudando ali rapazes do Rio, São Paulo, Belo Horizonte e cidades vizinhas. Por outro lado não há preconceito religioso quanto aos estudantes não protestantes que convivem nas aulas. Foi o reverendo Cícero Siqueira quem realmente impulsionou o colégio, que hoje tem 790 alunos. O efeito desse impulso atingiu não só a cidade, mas todo o município onde funcionam ótimas escolas rurais. [14]

 Quando dessa publicação, o Rev. Cícero já havia falecido, mas D. Cecília ainda vivia e pode ler a informação sobre “seu colégio” e mais ainda sobre “sua cidade”. A reportagem da Revista Manchete, de 12 de outubro de 1963, intitulada “A cidade sem pecado”, afirmava que em Presidente Soares, Minas Gerais, a grande maioria da população era de protestantes e andava de Bíblia nas mãos. Dizia mais:

No Colégio Evangélico, orgulho da região e um dos mais famosos de Minas, estudam presbiterianos e católicos. Todas as semanas, um sacerdote católico é admitido no estabelecimento, onde reza missa para os alunos católicos. Em Presidente Soares o puritanismo obedece a uma inclinação profunda do povo. Nunca houve bailes na cidade, que não possuiu clubes sociais. Ninguém ali aprecia bebidas alcoólicas. E na cadeia dois soldados passavam os dias bocejando de tédio, porque há anos nenhum cidadão do município tinha o desejo de roubar ou matar o seu semelhante.[15]

Cecília Siqueira: atuante membro da igreja e líder do trabalho feminino

Nady Werner, Cecília Siqueira, Blanche Lício, Genoveva Marchant

O trabalho era excessivo, na igreja e na escola. Cecília dispunha-se a assumir maiores responsabilidades e aliviar a carga do esposo que reconhecia sua força e afirmava: “Ela nasceu para a luta. As ondas da vida não a assustam, como não a atemorizavam os vagalhões do mar de Lucena. Cecília herdou a fibra de seu pai pescador. Ele enfrentava com bravura os perigos do mar alto. Ela enfrenta com ânimo forte os embates da existência”. [16]

Mesmo com inúmeras tarefas, Cecília participava de todas as programações da igreja. Estava nas reuniões de diferentes faixas etárias: desde as ligas juvenis às sociedades de moças. E, como professora da escola dominical nunca teve férias. Além da responsabilidade de sua classe aos domingos, manteve por muitos anos um Curso Normal de Preparação de Professores, que funcionava geralmente aos sábados. Um de seus alunos, da classe de rapazes, assim se expressou sobre ela:

Cecília procurava incutir na mente do jovem como viver no mundo tão corrompido, dando seu testemunho de moço cristão. Na sua última aula, domingo 13 de outubro, advertiu os alunos quando à vida futura, dizendo-lhes ter orado pedindo a Deus que salvasse todos eles e desejando que viessem a ser homens brilhantes e honestos. [17]

Cecília prestou relevantes serviços à Igreja Presbiteriana do Brasil. Para sua igreja local foi uma figura incomparável, uma amiga sincera e a pessoa mais presente e pontual em todas as atividades. Junto de seu esposo foi organizadora do Trabalho Feminino do Brasil e foi secretária desse ministério por quinze anos (1939-1954).

Em 1925, foi eleita a primeira presidente da 3ª federação das SAFs do Sul de Pernambuco; em 1930, eleita a primeira presidente da 6ª federação; de 1938 a 1954 foi secretária geral do leste de Minas.

Em 1946, como secretária geral do Trabalho Feminino do Brasil, a convite de organizações religiosas norte-americanas, integrou uma comissão de representantes da Igreja Presbiteriana do Brasil e visitou trinta e seis estados dos Estados Unidos da América.

Com sua rara inteligência, falando corretamente o inglês, ela proferiu conferências sobre o Brasil e a igreja presbiteriana, impressionando grandemente a todos, tornando-se assim, segundo declaração da imprensa da época: “a sul-americana mais conhecida na América do Norte”. [18]

Cecília era de uma eloquência espontânea e simples; de muita fé, espírito dinâmico e de inteligência clara. Por onde atuasse, demonstrava o brilho de sua cultura geral e bíblica e, mesmo após um dia de trabalho duro ainda se mostrava ativa e risonha.

 Cecília foi a organizadora dos departamentos da SAF (Sociedade Auxiliadora Feminina), que chegou a ter treze departamentos. Em 1966, quando era vice-presidente da SAF, recebeu o título de Presidente Emérita e em sua homenagem, foi escolhido o 2º domingo de fevereiro, por ser o mais próximo ao seu aniversário, para ser o Dia da Mulher Presbiteriana.

Cecília Siqueira, a mãe abnegada

Apesar de ter recebido medalhas e condecorações, as jóias preciosas da esforçada esposa de pastor e dedicada mestra, foram os oito filhos os quais cuidou e educou com sabedoria. Eles foram seu maior galardão aqui na terra.

Todos se tornaram pessoas de bons caráteres e excelentes profissionais, ocupando posições elevadas na literatura, na advocacia, no magistério e na igreja evangélica.

Seus filhos experimentaram os tesouros de abnegação e amor com os quais a maternidade dotou seu coração. A filha Glícia, traçou seu perfil em suas atribuições de mãe, na poesia a seguir:

Gratidão

Pelo sofrimento físico,
pelas horas não dormidas.
Pelos cuidados sem conta,
pela intercessão sem repouso.
Pelo caminho estreito
que me apontou em criança.
Pelo sofrimento da liberdade de escolha
a que me obrigou desde cedo,
Pelas histórias tão cheias de encantamento,
que enriqueceram minha infância.
Pelos conselhos sabiamente introduzidos,
“anjo da guarda” da minha adolescência.
Pelo exemplo que me deu e que me dá:
de um caráter inquebrantável,
de uma vida de fé,
de uma vida de amor e de esperança,
de uma vida feliz.
Por tudo isso
E por muito mais ainda:
Obrigada, mamãe,
muito obrigada.

Clícia Siqueira Labrunie (Portugal – 1958) [19]

Cecília Siqueira, a educadora por excelência: ela faleceu no Dia do Professor

Cecília foi professora durante sessenta anos, e se destacou nos meios educacionais de Minas Gerais. Seus alunos tornaram-se escritores, engenheiros, advogados, professores, líderes políticos etc.

 Por seu trabalho como educadora, em 29 de janeiro de 1966, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais achou por bem conferir-lhe o título de Cidadã Honorária de Minas Gerais. No trecho de seu discurso, considerado diferente pela sua beleza tranquila e autêntica e por ser feito de improviso, ela afirmou que não merecia a homenagem:

(…) Quando, em setembro do ano passado, o Dr. Miranda me disse em Presidentes Soares: “A senhora vai receber o diploma de Cidadã Mineira”, eu duvidei, pois não mereço isto. Achei que fosse até uma brincadeira dele. Tratei, inclusive, de esquecer, mas o Dr. Batista Miranda perseverou e tanto perseverou e tanto trabalhou que, hoje, estamos vendo e ouvindo estas homenagens a mim prestadas o que, aliás, têm sido conferidas a poucas mulheres. Creio que antes de mim apenas uma mulher as recebeu. Foi a professora Helena Antipof, fundadora do Instituto Pestalozzi para recuperação de crianças excepcionais. (…) [20]

O Diário da Assembleia de 1º de fevereiro informou que, ao concluir seu discurso, D. Cecília foi aplaudida de pé por todos os presentes e o presidente anunciou: “A mesa determina que seja inscrito nos anais desta casa o magnífico discurso proferido por D. Cecília Rodrigues Siqueira e antes de terminar se associa de coração a estas homenagens que se prestam a uma das ilustres mestras, hoje mineira de direito e de fato”.[21]

Cecília foi condecorada também com a Medalha da Inconfidência, em 21 de abril de 1966, em Ouro Preto, pelo governador do estado. Esta homenagem lhe foi prestada pelos seus sessenta anos de magistério, pela sua excelente função de educadora, pelo elevado patrimônio moral, intelectual e espiritual que construiu em nossa pátria.

Como educadora nata e ardente patriota, soube despertar em seus alunos um grande amor pela terra natal.

No discurso da outorga do título de cidadã honorária de Minas Gerais, o deputado Dr. Batista Miranda, falou que D. Cecília havia chegado aquele estado em 1929 e que: “hoje, 38 anos após, se perguntarmos o que ela faz, a resposta só poderá ser uma: planto escolas, educo gente, ensino-lhes a amar a Deus e a conhecer a ciência que o esforço humano conseguiu obter”.[22]

Na conclusão de seu discurso, o deputado Batista Miranda declamou o soneto de Jorge Buarque Lyra, em homenagem à D. Cecília:

Como ferro cadente da fornalha
É Cecília Rodrigues Siqueira
Que, abrasada de fé, toda batalha
Da vida vence, altiva, sobranceira!

Com santo entusiasmo ela trabalha
Sem nunca lastimar qualquer canseira
Pois sua mão, que o mal, com força atalha
Só luta pela igreja verdadeira!

Cristã convicta, exímia boletrista
Espírito de luz, nobre mulher.
Guardiã que eleva o culto reformista.

Bendito seja o apostolado
Pois é o próprio Deus que assim o quer
Para a glória do nosso Cristo amado!

(Jorge Buarque Lyra) [23]

Valeu a pena o esforço do Rev. Siqueira e de sua esposa para impedir que o colégio fechasse, os frutos apareceram e multiplicaram-se. E a gratidão da região foi demonstrada amplamente com o nome do reverendo dado à rodovia que liga Alto Jequitibá a Alto Caparaó e a construção de um monumento em homenagem ao casal Siqueira, inaugurado em 07 de agosto de 1987, que se encontra na Praça Rev. Cícero Siqueira, no centro de Alto Jequitibá. Ex-alunos, com o apoio da Prefeitura Municipal e da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá e do deputado Genésio Bernardino de Souza, também ex-aluno, tiveram a iniciativa da homenagem.

 Cecília Siqueira foi também uma poetisa de sucesso, tendo composto poemas e hinos evangélicos, como a poesia que segue:

Alguém orava

O cansado sentiu que de repente
Um alívio profundo o invadia
E o aflito, de todos já descrente,
Foi tomado de súbita alegria.

“Nunca mais há de rir”, de um doente
A enfermidade ansiosa repetia.
Mas eis que a enferma se ergue sorridente
Pede o alimento, que já não queria.

“Que houve então?” diz um desses, “que alterou
O curso do tomento em que eu me achava
E feliz de repente me tornou?”

Alguém que longe ou perto se encontrava
De interceder por outros se lembrou
E reverente com fervor orava.[24]

Cecília viveu em Presidente Soares (MG) por trinta e nove anos, falecendo no dia do professor, 15 de outubro de 1968. Nesse dia chegou animada ao Colégio, onde recebeu cumprimentos e abraços. Começou, porém, a se sentir mal e desmaiou na secretaria da escola.

E foi orando que faleceu às 22h45. Suas últimas palavras foram: Amém, Senhor, amém!

Por Rute Salviano 

[1] As informações para o resumo biográfico de Cecília Rodrigues Siqueira foram extraídas das seguintes fontes:

VIANA, Juracy Fialho. Cecília. 2ª edição. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990.

GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Belo Horizonte: Betânia, 1991, p. 154 -193.

MIRANDA, Batista. “Discurso proferido na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais por ocasião da outorga do título de ‘Cidadã Honorária do Estado’ à D. Cecília R. de Siqueira, no dia 29 de janeiro de 1966”. SAF EM REVISTA. Janeiro a março de 1968, p. 1-2.

GRIPP, Renée Sthler. “D. Cecília Rodrigues Siqueira”. SAF EM REVISTA. Julho a setembro de 1969, p. 9-10.

[2] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 154-155.

[3] Dar os bolos: aplicação de castigos com palmatória, peça de madeira com a qual, antigamente, se castigavam os alunos, batendo-lhes nas palmas das mãos.

[4] Norte Evangélico, 1929, citado por VIANA, Juracy Fialho. Cecília, p. 40.

[5] VIANA, Juracy Fialho. Cecília, p. 54.

[6] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 190.

[7] MIRANDA, Batista. “Discurso proferido na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais por ocasião da outorga do título de ‘Cidadã Honorária do Estado’”, p. 2.

[8] Peste bubônica: doença pulmonar infectocontagiosa, provocada pela bactéria yersinia pestis, que é transmitida ao homem pela pulga através dos ratos. Bubônica: caracterizada pela presença de bubões, tumefação inflamatória dos gânglios linfáticos inguinais.

[9] VIANA, Juracy Fialho. Cecília, p. 60.

[10] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 191.

O local que não se encontrava no mapa foi habitado por protestantes desde 1818. Trezentas famílias alemãs, num total de 800 pessoas, foram encaminhadas à região por D. João VI, depois que um navio à vela, procedente de Hamburgo, os trouxe ao Rio de Janeiro. Com eles nasceu o antigo Alto do Jequitibá, hoje Presidente Soares. Em 1898, chegou ao Alto do Jequitibá, o Dr. Kayle, pastor presbiteriano, iniciando a evangelização dos colonos. Sua influência foi marcante e, atualmente, inúmeras populações da Zona da Mata integram núcleos evangélicos.

[11] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 192.

[12] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 155-156.

[13] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 192.

[14] LÉON, A. Ponce de. “A cidade sem pecado”, p. 101.

[15] LÉON, A. Ponce de. “A cidade sem pecado”, p. 98.

[16] VIANA, Juracy Fialho. Cecília, p. 106.

[17] GRIPP, Renée Sthler. “D. Cecília Rodrigues Siqueira”, p. 10.

[18] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 154

[19] VIANA, Juracy Fialho. Cecília, p. 156.

[20] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 189.

[21] GRIPP, Roberto e outros. História da Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá, p. 193.

[22] MIRANDA, Batista. Discurso proferido na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais por ocasião da outorga do título de Cidadã Honorária do Estado, p. 2.

[23] LYRA, Jorge Buarque, citado por MIRANDA, Batista. Discurso proferido na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais por ocasião da outorga do título de Cidadã Honorária do Estado, p. 2.

[24] SIQUEIRA, Cecília Rodrigues. “Alguém orava”. SAF EM REVISTA. Julho a setembro de 1968, contracapa.

Fonte:http://www.hinologia.org/cecilia-siqueira/

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Pastor Eli Vieira é casado com Maria Goretti e pai de Eli Neto. Responsável pelo site Agreste Presbiteriano, Bacharel em Teologia, Pós-Graduado em Missiologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte, Recife-PE e cursando Psicologia na UNINASSAU. Exerce o seu ministério pastoral na Igreja Presbiteriana do Brasil desde o ano 1997 ajudando as pessoas a encontrarem esperança e salvação por meio de Jesus Cristo. Desde a sua infância serve ao Senhor, sendo educado por seus pais aos pés do Senhor Jesus que me libertou e salvou para sua honra e glória.

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