Se homens brigarem, e ferirem mulher grávida, e forem causa de que aborte, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe (Êxodo 21:22-25).
Enquanto os juízes usurpam o poder legislativo na nossa nação no ímpeto progressista de legalizar o aborto voluntário a todo custo, é bom refletir um pouco sobre o que as Sagradas Escrituras têm a dizer nessa área.
Ao comentar Êxodo 21, o reformador João Calvino escreve que “o feto, embora envolto no útero de sua mãe, já é um ser humano”. Ele continua, dizendo que “parece ser mais horrível matar um homem na sua própria casa que matá-lo no campo, pois a casa é nosso lugar de refúgio mais seguro”, e que “certamente deve ser visto como algo mais atroz destruir um bebê no útero antes que ele venha à luz” que em circunstâncias normais.
A Lei requer uma punição proporcional ao dano causado – caso a vida seja tirada, a pena de morte se aplica: “darás vida por vida”. É preciso não perder de vista o motivo. Primeiramente, não se trata de mera vingança, e sim de justiça. O texto é claro: se a mulher for machucada e o bebê nascer prematuramente, uma multa deve ser paga, obviamente, não só como punição pela violência colateral causada pela briga entre os homens, mas também como uma forma de pagar pelo tratamento das vítimas. Porém, “se houver dano grave”, então a punição vai além dessa compensação financeira e envolve também uma punição física proporcional à violência causada. Por isso mesmo o texto não prescreve simplesmente uma pena uniforme a todo tipo de violência colateral.
Em segundo lugar, na legislação do Antigo Testamento, a pena de morte não é aleatória, ao contrário do que outras culturas à volta de Israel praticavam, prescrevendo a penalidade máxima, com requintes de crueldade, para qualquer crime mais ou menos ofensivo. Nas leis do Antigo Testamento, há uma correlação entre certos pecados (incluindo crimes graves) e a pena de morte, mas somente naqueles casos em que o próprio Deus é de alguma forma atacado. Há pelo menos dois motivos por que o texto aqui requer “vida por vida”, independente de só a mãe ou o bebê ou ambos serem mortos.
O primeiro motivo é restrito ao povo de Deus antes da vinda do Messias. Dependendo das circunstâncias, haveria possivelmente a esperança de que aquela criança no útero seria o Messias prometido aos ancestrais, a promessa que o povo tanto aguardava. Matar a mãe ou a criança, ainda que por acidente, seria uma forma de atentar contra o próprio Deus e contra o Seu plano prometido nas Escrituras. Cometer semelhante crime nos nossos dias também atentaria contra o plano de Deus revelado nas Escrituras, mas obviamente sem envolver esse aspecto messiânico. Deus revelou nas Escrituras que a vida deve ser promovida, e que principalmente os mais frágeis, como a mulher e o bebê, devem ser protegidos. Portanto, o nosso momento histórico, após a vinda do Cristo, não é desculpa para ignorar com facilidade o crime de matar, mesmo que por efeito colateral, uma criança que ainda não nasceu. Esse princípio da Lei não deixou de ter algo a nos ensinar.
O segundo motivo por que o texto requer “vida por vida” é que atentar contra a vida é atentar contra o próprio Deus, considerando que cada ser humano (incluindo bebês que ainda não nasceram) é portador, se bem que imperfeito, da imagem divina (Gênesis 9:6). Novamente, há exceções importantes que nos ajudam a entender que a Lei nunca foi vista como um programa de computador que deve ser mecanicamente aplicado, e sim que ela prescreve uma solução justa e sábia para várias situações práticas. A chamada “guerra santa”, que não se aplica hoje, é um exemplo de exceção a esse princípio, pois o povo de Israel recebeu ordem de executar sumariamente os habitantes de certas cidades (não todas) na terra de Canaã, e o motivo expressamente dado foi que a medida de sua iniquidade era exorbitante, e que a terra deveria ser purificada para ser o lugar onde Deus habitaria com Seu povo. Isso, contudo, não anula o princípio.
Assim, fica claro que o bebê não nascido era considerado humano, portador da imagem de Deus, e que mesmo uma agressão não intencional, como Êxodo 21 descreve no caso do efeito colateral de uma briga, deveria ser punida proporcionalmente, por se tratar de um atentado ao próprio Deus em última análise. Fica claro, também, que, apesar de vivermos num momento histórico distinto daquele vivido pelo povo de Israel na antiguidade, o princípio geral dessa lei ainda tem muito a nos ensinar.
Finalmente, na sua sabedoria muitas vezes vista como “ultrapassada” e até mesmo “bárbara”, a Lei da “vida por vida” e da punição proporcional à violência causada por um criminoso oferece uma lição interessante no caso que se discute em nosso país. Mesmo com o pressuposto um tanto forçado de que o bebê deve ser visto meramente como um “invasor criminoso” da propriedade privada (corpo) da mãe, pelo princípio “ultrapassado” da Lei bíblica, a mãe em tese só teria o direito de escortá-lo para fora do território invadido. Porém, a mãe não teve sua vida atacada pelo bebê e, portanto, não tem o direito de o matar, ou deixar morrer, sem que incorra em grave injustiça por falta de proporcionalidade. Os progressistas que se dizem “modernos” e mais “civilizados” e rejeitam o princípio da punição proporcional (incluindo a pena de morte) provavelmente não se dão conta de que, mesmo no seu universo absurdo onde o bebê é um criminoso merecedor de punição, a vida seria mais protegida pela Lei bíblica que pela lei “civilizada” e “moderna”.
Autor:Lucas G. Freire
Fonte:PR
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