Pastores que a si mesmos se apascentam
– Valdeci Santos
O cuidado de Deus por seu povo é geralmente expresso nas Escrituras pela metáfora do pastoreio. Desde o período dos patriarcas, o Senhor se deu a conhecer como o Pastor de Israel (Gn 49.24). Mais tarde, Davi tornou o tema do pastoreio divino célebre ao escrever o Salmo 23 e expressar seu relacionamento de dependência e comunhão com Deus. Logo, não deveria ser surpresa alguma que a obra de libertação do povo de Israel do cativeiro egípcio e sua peregrinação pelo deserto fossem interpretadas como ações do pastor divino (Sl 77.20). Também, a esperança messiânica dos profetas de Israel foi expressa como o Senhor arrebanhando e cuidando de suas ovelhas (Is 40.11, Jr 31.10 e Ez 34.11-16). Finalmente, Jesus, no Novo Testamento, encarna as expectativas messiânicas ao apresentar-se como o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas (Jo 10.11 e Hb 13.20).
Como expressão do seu cuidado pastoral por aqueles que são seus, seu povo, o Senhor se encarrega de providenciar pastores segundo o seu coração para guiá-los por caminhos que lhe agradam (cf. Jr 3.15). O problema, porém, surge quando surgem maus pastores, ou seja, aqueles que destroem e dispersam o rebanho. Há várias advertências bíblicas sobre esses líderes que geralmente trazem confusão e dominam o rebanho com rigor e dureza (Jr 23.1-4 e Ez 34.1-10).
Os maus pastores são mencionados nas Escrituras como “pastores que a si mesmos se apascentam” (Ez 34.3 e Jd 12), pois embora liderem o rebanho do Senhor, cuidam apenas dos seus próprios interesses. Aliás, a carta de Judas traz a descrição de algumas das características de tais pastores para ajudar os crentes a identificá-los e evitá-los. Como a existência daqueles pastores não se restringiu ao período bíblico, mas continua nos dias atuais, é sempre relevante considerar a exortação bíblica a respeito deles. Esse exercício é útil tanto para o rebanho de Cristo, como para os pastores contemporâneos que nem sempre consideram o risco de seguirem modelos que aborrecem o Senhor. Assim, quanto mais cedo avaliarmos nosso ministério e caráter à luz da descrição bíblica dos falsos pastores, mais facilmente podemos evitar esse caminho de ofensa ao Supremo Pastor.
Em primeiro lugar, Judas afirma que o ministério dos maus pastores é caracterizado pela falsidade e engodo. O escritor bíblico ressalta que eles se apresentem como rochas e estrelas (v 12-13). Na verdade, porém, eles não passam de recifes submersos onde os incautos naufragam e, como estrelas errantes, eles confundem os desatentos. A falsidade dos falsos pastores também é manifesta através da dissimulação por eles usada a fim de se infiltrarem no rebanho do Senhor, corrompendo de tal forma a graça de Cristo a ponto de transformá-la em libertinagem (v 4). Além do mais, eles geralmente usam essa distorção da graça de Cristo para justificar o liberalismo ético em que vivem (v 11-13). Nesse sentido, é sempre importante observar que o liberalismo teológico geralmente conduzirá à distorção ética e vice-versa. Todavia, o fim de tal ministério certamente é a destruição tanto para os maus pastores quanto para seus seguidores.
Em segundo lugar, Judas afirma que os pastores que apascentam a si mesmos seguem os passos dos anti-modelos encontrados nas Escrituras. Ele afirma que eles se enveredaram pelo caminho de Caim, o qual deixou-se dominar pela inveja, ira e amargura a ponto de desprezar a repreensão do Senhor e não oferecer qualquer resistência ao pecado (Gn 4.5-8). Ao mesmo tempo, o coração desses líderes é dominado por uma ganância semelhante à de Balaão, o qual mercadejou seus serviços proféticos (Nm 22-24 e Ap 2.14). E como Coré, que, desprezando o privilégio sacerdotal, sem motivo se rebelou e difamou autoridades instituídas por Deus (Nm 16), tais pastores não reconhecem as autoridades superiores (Jd 8-9). Dessa forma, em lugar de seguirem o exemplo e a humildade do Bom Pastor, eles trilham nas mesmas pegadas de anti-modelos pastorais.
Por último, Judas ensina que, na prática, esses maus pastores se revelam como inimigos da cruz de Cristo e negam o poder transformador do evangelho. Em nenhum momento Judas afirma existir nesses falsos mestres qualquer elemento de compromisso e submissão ao Supremo Pastor ou mesmo um elemento de aspiração por uma vida de santidade. Ao contrário, numa crítica veemente ele afirma que eles transformavam as festas de fraternidade (agapais) em ocasiões de imoralidades, pois, “sem recato”, buscavam atender aos seus desejos. Também, no texto paralelo, Pedro afirma que esses libertinos prometem liberdade quando eles mesmos ainda são escravos da corrupção (2Pe 2.18-19). Dessa forma, ainda que os maus pastores possuam um discurso de piedade, esse mesmo é contrariado pela libertinagem de seus procedimentos.
Como evitar, no ministério pastoral, o erro de seguir pelo caminho dos pastores que a si mesmos se apascentam? Antes de qualquer coisa, agindo como ovelha do Supremo Pastor, pois foi ele quem deixou exemplo para seguirmos os seus passos (1Pe 2.21-25). Jesus deve ser sempre o modelo do pastoreio que almeja glorificar a Deus. Além do mais, o ministério pastoral deve ser sempre exercitado na expectativa escatológica da manifestação do Pastor de nossas almas, pois naquela ocasião ele trará juízo para os maus pastores e a imarcescível coroa de glória para os que desempenharam seus ministérios fielmente (1Pe 5.4).
Fonte: Site da IPB
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