Pode um cristão envolver-se na política?

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Por Vinícius Silva Pimentel

Para responder essa pergunta, devemos primeiro definir o que é “política”. De modo simples, podemos entender política como a relação entre governantes e governados na sociedade. Dito isso, parece-me que o cristão não apenas pode, mas deve envolver-se de algum modo na política, e isso por uma razão muito simples: a Bíblia tem muito a dizer a respeito dessa relação entre governantes e governados.

O que a Bíblia tem a dizer a respeito da política? Primeiro, a Bíblia nos mostra que essa relação entre governantes e governados foi instituída por Deus; isso fica claro, por exemplo, quando Paulo se refere aos magistrados civis como “ministros de Deus”, em Romanos 13. Essa estrutura de governantes e governados, que foi criada por Deus e está impressa na ordem da criação, é ela mesma governada pelo Deus soberano por meio das obras da providência. Em palavras mais simples, Deus é quem constitui e destitui reis sobre as nações; Ele é o Senhor de toda a terra e, em última instância, é Ele quem está providencialmente regendo as nações conforme o decreto de sua vontade soberana.

Segundo, a Bíblia nos mostra que essa estrutura política é também regulada por Deus. A Bíblia não apenas estabelece que Deus rege secretamente a relação entre governantes e governados, mas ela também nos apresenta mandamentos explícitos sobre como os governantes devem agir em relação aos governados, e vice versa. Podemos dizer, assim, que para além da vontade decretiva de Deus, as relações políticas em uma sociedade devem se sujeitar à vontade revelada de Deus, isto é, às normas de conduta que Ele mesmo estabeleceu em sua santa lei.

Quais são os mandamentos bíblicos que se aplicam à política? São muitas as ordenanças bíblicas que regem a vida política de uma sociedade, mas, provavelmente, a mais importante delas é o quinto mandamento do Decálogo. O quinto mandamento fala explicitamente a respeito da honra que é devida pelos filhos aos pais; mas, na verdade, ele engloba todas as relações humanas – ou, como diz o Catecismo Maior de Westminster (P&R 126), “o alcance geral do quinto mandamento é o cumprimento dos deveres que mutuamente temos uns para com os outros em nossas diversas relações como inferiores, superiores ou iguais”. Isso envolve, certamente, a estrutura política a que nos referimos aqui; as relações entre governantes e governados são biblicamente definidas como relações de autoridade, isto é, relações entre superiores e inferiores. E a Bíblia estabelece quais são os deveres dos governados, inferiores, e quais as obrigações dos governantes, superiores, nessa relação.

Outra questão importante é que a Bíblia expressamente define qual a função do governo civil. Em Romanos 13, Paulo diz que a função do magistrado é “castigar o que pratica o mal”. Quando a Escritura atribui ao governo civil esse papel de administrar a justiça pública (que é um papel eminentemente de justiça criminal), ela também impõe limites à atuação do Estado. Como dizem os cristãos reformados holandeses, a soberania do Estado está adstrita à sua própria esfera de atuação; e, sempre que os governantes querem agigantar o Estado e sufocar as outras esferas da vida social, a Bíblia chama isso de tirania.

Isso tem implicações muito sérias, as quais muitos cristãos em nosso país ignoram. Se Deus instituiu a autoridade civil apenas para a administração da justiça pública, os cristãos não deveriam ser coniventes com um Estado que almeja ser outra coisa. O Estado não é redentor, e os cristãos não deveriam querer usar o Estado para redimir ninguém. Ao mesmo tempo, o Estado não é pai, e os cristãos não deveriam entregar nas mãos do Estado, inadvertidamente, a autoridade paterna. O Estado não é empresa, e os cristãos não deveriam esperar que o Estado fosse um gerador de emprego e renda. O Estado não é instituição de caridade, e os cristãos não deveriam confiar ao Estado a tarefa de prestar assistência aos pobres, aos órfãos e às viúvas. Biblicamente, essas funções pertencem a outras esferas da vida humana, sobretudo à família e à igreja. E, historicamente, as sociedades que mais floresceram foram aquelas que discerniram bem os limites de atuação do governo civil e valorizaram a liberdade individual e a soberania das outras esferas da vida social.

De que maneira os cristãos, como governados, podem se engajar na política em submissão aos andamentos de Deus para essa esfera da vida humana? Há uma observação importante aqui. Quando dizemos que os cristãos devem se envolver na política, isso não significa necessariamente que todos os cristãos devem estar envolvidos em política partidária. Na verdade, talvez esse seja o último aspecto da atuação política com o qual o cristão deveria se preocupar.

Dito isso, podemos pensar em algumas diretrizes gerais para o engajamento político cristão.

Primeiro, e primordialmente, o cristão deve orar pelos seus governantes. Esse é um mandamento freqüentemente negligenciado, não só em nossa vida de piedade individual, mas também na prática de oração corporativa na igreja. Contudo, o apóstolo Paulo nos exorta, claramente, a orarmos pelas autoridades civis, para que tenhamos uma “vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito”. Isso significa que devemos orar para que a causa do evangelho seja “aprovada e mantida” pelos governantes de nossa nação e das demais (CMW, P&R 191). Começar a nossa atuação política com oração mostra que nós não confiamos na força do nosso próprio braço, e sim no poder daquele que é Rei dos reis e que faz todas as coisas segundo o conselho da sua vontade.

Segundo, o cristão deve honrar os seus governantes do modo devido, isto é, com sinceridade, em suas palavras e em seu procedimento. Isso inclui o dever de obedecer prontamente os seus mandamentos e conselhos legítimos; de submeter-se às suas correções; de agir com fidelidade na defesa e manutenção de suas pessoas e autoridade, conforme os diversos graus e a natureza de suas posições; de suportar as suas fraquezas e encobri-las com amor (CMW, P&R 127).

Terceiro, o cristão deve, conforme a natureza de sua vocação, promover a ética bíblica não apenas em seu aspecto individual, mas também público. Isso significa que, tanto quanto lhe for possível, o cristão deve buscar que os princípios bíblicos de conduta sejam considerados e aplicados na sociedade. Na Grande Comissão, o Senhor Jesus ordenou à sua Igreja que fizesse discípulos de todas as nações e os ensinasse a guardar todos os seus mandamentos. A missão da Igreja é não apenas fazer convertidos, mas também ensinar aos convertidos como eles devem viver. Isso certamente envolve uma vida de piedade, oração e meditação bíblica, mas não se restringe a isso; há aspectos da santificação que são eminentemente públicos, que abarcam um envolvimento ativo dos cristãos na sociedade.

Pensemos, por exemplo, na afirmação do apóstolo Paulo de que não devemos ser cúmplices das obras das trevas e de que devemos até mesmo reprová-las (Efésios 5). Não há como cumprir esse mandamento no âmbito da piedade individual; apenas na esfera pública da vida social podemos atender a essa injunção divina. Aliás, se considerarmos o exemplo dos apóstolos, veremos que o dever de reprovarmos as obras ímpias inclui, até mesmo, o governo civil, de modo que, quando o magistrado age com manifesta impiedade ou tirania, deve o cristão repreendê-lo – sem descuidar da honra devida à sua autoridade, conforme já dissemos.

Essa promoção da ética cristã na esfera pública deve estar associada à vocação de cada crente. Uma é a ação esperada do advogado cristão, outra, a do médico cristão, e outra, a do pedreiro cristão. O importante é que cada um, segundo os dons e a medida de fé recebidos de Deus, empenhe-se em refletir sobre a ética bíblica e sobre como aplicá-la às questões privadas e públicas com que se depara.

Em último lugar, eu repetiria o conselho que ouvi, certa vez, do Dr. Jeffrey Ventrella, um advogado cristão que tive o privilégio de conhecer: o cristão não deve comprar o mito de que toda essa impiedade no governo civil é inevitável. Nada é inevitável quando Deus abençoa a obra de nossas mãos. Se Ele é por nós, quem será contra nós?

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– Sobre o autor: Vinícius Silva Pimentel é advogado e atua nas áreas cível e empresarial. Realiza pesquisa em filosofia do direito, com ênfase no pensamento reformacional de Herman Dooyeweerd. Congrega na Igreja Presbiteriana da Aliança, em Recife-PE, onde reside com sua esposa Laura.

Fonte: Política Reformada – Relatório Justiça Pública, nº1 – novembro/2013

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