Um breve histórico do uso do colarinho clerical na tradição presbiteriana

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Por Timothy R. LeCroy*

Introdução

Parece que não existiu um traje distinto para os ministros cristãos até perto do século VI. O clero vestia o que os demais cidadãos vestiam, embora de forma mais sóbria e discreta, condizente com seu ofício. Com o passar do tempo, os trajes do laicato mudaram com a moda e os costumes, enquanto os ministros permaneceram conservadores no modo de vestir, como normalmente acontece. O resultado foi que o vestuário do clero cristão tornou-se distinto daquele do laicato, e assim os trajes passaram a ser investidos (sem trocadilho) de significado.

Mais adiante, com a maior aceitação de acadêmicos leigos nas recém-formadas universidades, o IV Concílio de Latrão (1215) determinou um traje diferenciado para o clero, de modo que eles pudessem ser identificados ao circular pela cidade. Este traje tornou-se conhecido como vestis talaris, ou batina. Acadêmicos leigos, por sua vez, vestiam uma toga aberta na frente, com o lirripium, ou capuz. É interessante observar que tanto os trajes acadêmicos quanto os trajes clericais modernos derivam da mesma raiz medieval.

Os concílios da Igreja Católica Romana posteriores à Reforma determinaram que o traje cotidiano dos padres deveria ser a batina. Até meados do séc. XX, este era o traje comum, “de rua”, para os sacerdotes romanos. A origem do colarinho clerical não deriva do traje dos padres. Sua gênese é protestante.

Origem dos trajes clericais reformados

No tempo da Reforma, muitos dos reformadores queriam se distanciar do que consideravam trajes clericais romanos. Assim, muitos pastores assumiram, no dia-a-dia, o vestuário dos acadêmicos, ou não usavam qualquer tipo de uniforme. Porém, com o tempo, o desejo dos ministros de usar, no dia-a-dia, um uniforme que os identificasse, retornou às igrejas reformadas. O que começaram a fazer, a partir do século XVII, até onde pude pesquisar, foi começar a usar um tipo de lenço, o cravat, amarrado no pescoço de modo a lembrar uma canga de boi. Assim, a roupa comum, mas sóbria, conservadora, usada pelos ministros, passou a ser complementada com este acessório, um cravat clerical. Esse estilo pode ser visto em muitos dos mais famosos teólogos reformados, sendo um dos mais célebres Charles Hodge.

Charles Hodge, retratado usando um cravat clerical.

Quando ministros reformados galgavam o púlpito, acrescentavam o peitilho a seu traje clerical. Essa peça é quase universal entre os pastores reformados dos séculos XVII e XVIII. Eis alguns exemplos:

Jonathan Edwards, usando cravat clerical e peitilho.
George Whitefield
John Owen – Pastor reformado do séc. XVII

Na imagem seguinte, vemos mais claramente o uso tanto do cravat clerical como também do peitilho, usado por dentro do cravat, pelo Revmo. Thomas Chalmers, um dos fundadores e primeiro Moderador da Assembleia Geral da Igreja Livre da Escócia.

Thomas Chalmers, séc. XIX. Observe o cravat e o peitilho.

O leitor pode observar que os homens aqui retratados tiveram grande destaque como pastores e teólogos reformados. Eram bem conhecidos por seu compromisso com a teologia reformada e o ensino e prática bíblicos. O uso do traje clerical não era uma afetação de homens sem importância.

Pode-se perguntar se este tipo de traje era universal entre os reformados. A resposta é não. Pesquisando vários retratos na Presbyterian Enciclopedia de 1880, publicada pela Presbyterian Publishing Co. de Philadelphia, observei que havia diversidade nos trajes escolhidos pelos ministros presbiterianos do séc. XIX. Alguns usavam cravats clericais. Alguns vestiam algo parecido com o rabat, ou colete clerical moderno (um colete preto, fechado até o pescoço, que deixa um pouco do colarinho branco à mostra). Outros vestiam gravatas-borboleta ou comuns. A conclusão a ser tirada é que, na tradição presbiteriana, sempre houve diversidade no traje clerical, sem que um fosse considerado obrigatório em detrimento de outro.

Outra objeção que pode ser levantada é se o cravat, como o que vemos Charles Hodge usando, era de fato um artigo de uso estritamente clerical. A citação que segue vem de uma fonte do séc. XIX chamada The Domestic Annals of Scotland, Vol. 3:

No clima de austeridade que reinou na Igreja Presbiteriana, quando de sua restauração, havia pouca disposição de se legislar sobre um uniforme clerical, ou paramentos para uso no púlpito. Relata-se que, quando um delegado de uma das primeiras Assembleias Gerais foi considerado em falta por escandalizar os irmãos, ao vestir uma capa vermelha, ele respondeu que considerava, por sua vez, indecente que os colegas trajassem capas cinzentas e cravats. Quando o Sr. Calamy visitou a Escócia, em 1709, ele se surpreendeu em encontrar os ministros em geral pregando com gravatas chamativas e capas coloridas. Nesta data, encontramos a anotação de que o Sínodo de Dumfries estava desejoso de ver uma reforma neste pormenor. O Sínodo – segundo suas atas – “considerando que vinha sendo uma prática decente e apropriada dos ministros desta Igreja o uso de toga preta e peitilho no púlpito, aprova a recomendação de que, em seu território, todos os irmãos mantenham esse costume e usem de gravidade em seu vestir e em todo o seu proceder.” 

Aqui encontramos importantes membros da Igreja da Escócia (presbiteriana) em fervoroso debate por causa da ostentação de alguns ministros, em adotar capas vermelhas e gravatas chamativas. Mais adiante, reúnem um Sínodo que decide que eles devem voltar a usar togas pretas e peitilho. Esse parágrafo nos mostra duas coisas: o uso de cravats era considerado um traje distintamente clerical, e o Sínodo da igreja decidiu, por fim, que o uso de cravats era permitido (há muito mais exemplos de fontes do século XIX que podem ser consultados com facilidade no Google Books. Convido o leitor a consultar por si mesmo). Assim, quando vemos toda sorte de pastores reformados dos séculos XVII a XIX usando peitilhos e cravats, devemos interpretá-los como intencionalmente usando traje clerical. Devemos também depreender que o autor destes anais, Robert Chambers, incluiu este fato em sua obra de modo a promover o uso discreto de peitilhos e trajes clericais em seu tempo.

Nosso último ponto de história diz respeito à origem do moderno colarinho clerical. Segundo várias fontes, incluindo uma citada pelo site Banner of Truth (que não tem a mínima simpatia por Roma), o moderno colarinho clerical foi inventado por um presbiteriano. Em meados do séc. XIX, estavam na moda colarinhos removíveis, usados muito bem engomados. Isso pode ser visto até o início do século XX, em filmes e seriados de época. Se observarmos o colarinho usado por Charles Hodge, podemos ver que, a princípio, esses colarinhos não eram dobrados para baixo, como fazemos hoje, mas deixados para cima.

Charles Hodge de novo. Observe o colarinho virado para cima, aparecendo por cima do cravat.

Do meio para o fim do século XIX, ficou na moda dobrar o colarinho para baixo. Você e eu ainda usamos o colarinho dobrado. A origem do colarinho clerical moderno é simplesmente dobrar o colarinho sobre o cravat clerical, deixando a faixa de tecido branco à mostra no meio. Segundo o Glasgow Herald de 6 de dezembro de 1894, o colarinho clerical removível dobrado para baixo foi inventado pelo Revmo. Dr. Donald MacLeod, pastor presbiteriano e moderador da Assembleia Geral da Igreja da Escócia. Segundo o livro Clerical Dress and Insignia of the Roman Catholic Church, “o clerical nada mais era do que um colarinho comum dobrado para baixo, usado com os trajes comuns, seguindo uma moda que começou no século XVI. Quando o laicato começou a usar o colarinho dobrado para baixo, o clero também seguiu a moda.”

Contudo, duas perguntas se levantam: como foi que o colarinho clerical caiu em desuso entre os presbiterianos, e como foi que passou a ser associado com os padres católicos? A resposta é que, até meados do século XX, o traje obrigatório para todos os padres era a batina, um traje clerical talar. Mas a partir do século XX, tornou-se costume dos sacerdotes católicos usar terno preto com camisa preta e colarinho clerical, o qual tomaram do uso protestante. Devido ao grande número de padres em certas regiões, e como algum tipo de traje clerical é obrigatório para os padres sempre que estão fora de casa, o colarinho clerical tornou-se associado mais com a Igreja Católica Romana do que com as igrejas protestantes. Faz sentido que o constante desejo de diferenciar reformados e católicos e a tendência, ao longo do séc. XX, de que os pastores se vestissem de maneira cada vez mais informal, tenha levado ao fato de que quase nenhum pastor reformado use algum tipo de uniforme clerical no dia-a-dia, embora haja numerosos exemplos de que nossos antecessores o faziam.

Referências

The New Catholic Encyclopedia, 2nd Edition, 2003
The Oxford Encyclopedia of the Reformation, 1996
The Presbyterian Encyclopedia, Alfred Nevin, 1880
Wikipedia: Clerical Collar
Wikipedia: Bands (neck wear)
Wikipedia: Clerical Clothing
Clerical dress and insignia of the Roman Catholic Church, Henry McCloud, 1948
Domestic Annals of Scotland, From the Revolution to the Rebellion of 1745, Robert Chambers, 1861, pp. 147-148.
Google Images
Google Books
Wikimedia Commons
Ken Collins’ Website – Vestments Glossary
Banner of Truth Website
Blog do pastor Garrett Craw

*O Rev. Dr. Timothy R. LeCroy é ministro presbiteriano, pastor da Christ Our King Presbyterian Church (PCA), Columbia, Missouri, EUA.

Trad. Eduardo H. Chagas

Fonte: 17/02/21 http://liturgiareformada.blogspot.com/2017/02/um-breve-historico-do-uso-do-colarinho.html

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1 COMENTÁRIO

  1. Graça e Paz, em Cristo Jesus!
    Sim, sou plenamente à favor do uso do colarinho clerical.
    (91) 98848-8030 meu WhatsApp da Missão Cristã Anglicana na Amazônia

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