Visitação: Uma atividade em extinção no ministério pastoral
Valdeci Santos
Visitação pastoral não é uma alternativa, mas uma atividade básica na prática ministerial. Ao escrever sobre isso, o pr. Franklin Dávila afirma: “o pastor é um trabalhador que tem de visitar para poder apascentar. A visita é indispensável e certamente a tarefa mais desgastante no campo emocional”.[1] Conquanto não exista um mandamento bíblico a esse respeito, é importante observar que Paulo suplementava o seu ministério público com o ensinamento “de casa em casa” (cf. At 20.20). Além do mais, Tiago ensina que a prática da visitação é uma das evidências da religião pura e sem mácula (cf. Tg 1.27). Dessa maneira, menosprezar essa atividade pode ser extremamente prejudicial ao sucesso do pastorado.
Nos últimos dias, a visitação pastoral tem sido questionada e sua importância minimizada por alguns líderes. Alguns pastores preferem limitar suas interações com o rebanho por meio das redes sociais e aplicativos de trocas de mensagens. Há aqueles que justificam a não visitação por entenderem que essa é uma atividade relacionada ao trabalho de algum coaching pessoal ou agente social. Por último, existem alguns que reduzem a prática pastoral ao ministério público, ou seja, a entrega de sermões no púlpito, os estudos bíblicos, palestras ou reuniões conciliares. Esses pastores partilham da tese de Thom Rainer, missiólogo batista, que defende ser a visitação uma atividade pertencente ao século passado.[2] O problema é que Rainer não apresenta nenhum respaldo sólido para seu argumento, o qual permanece apenas no campo da subjetividade. Nesse sentido, Franklin Dávila lembra que embora a sociedade tenha mudado, “as necessidades espirituais das ovelhas continuam sendo as mesmas e o coração dos homens é o mesmo de outras gerações”.[3]
É verdade que algumas igrejas colocam uma exigência descabida sobre seus ministros em relação à visitação. Além das atividades comumente exigidas deles, há pessoas para quem, se o pastor não realiza um certo número de visitas semanais, ele será considerado preguiçoso. Nesse sentido, equilíbrio e contexto são dois assuntos a serem considerados. O primeiro diz respeito ao tempo necessário para o pastor desempenhar suas tarefas e o segundo, o lugar onde a igreja local se encontra. Por exemplo, a visita pastoral será mais difícil de ser realizada nos grandes centros, enquanto nas pequenas cidades será fundamental. Ainda assim, essa atividade é relevante em ambos os contextos, diferenciando apenas a frequência que ela ocupa na agenda pastoral e a formalidade quanto ao seu agendamento (no interior, nem sempre é necessário agendar). Nos grandes centros, nem sempre será possível ao pastor visitar o membro de sua igreja que trabalha mais de oito horas por dia e ainda cursa uma faculdade ou algo semelhante. Mas sempre será possível partilhar com ele um almoço próximo ao seu trabalho ou tomar um café com ele no intervalo de seus estudos. De qualquer maneira, o contato e discipulado pessoal, que é o cerne daquilo que deve ocorrer na visita do pastor as suas ovelhas, será mantido.
O propósito desse ensaio é ressaltar alguns benefícios da visitação pastoral. Entendendo não haver nenhum outro aspecto da prática pastoral que possibilita o ministro conhecer melhor suas ovelhas, é necessário ter uma perspectiva correta sobre o valor e características dessa atividade.
Diferentemente do que alguns pensam, a visita pastoral não é apenas um dever, mas algo rico em benefícios tanto para quem visita quanto para quem é visitado. Enumeramos abaixo alguns desses benefícios, mas o espaço aqui é insuficiente para listar todos e, certamente, alguns serão omitidos.
- O conhecimento da ovelha em seu habitat. Os membros de nossas igrejas não vivem em um vácuo e a estrutura do lar e convívio doméstico acabam tendo mais influência sobre eles do que imaginamos. A visitação revela a condição social, a dinâmica familiar e alguns outros detalhes que não são possíveis conhecer somente pelos cumprimentos e conversas de pátio da igreja. Por exemplo, durante essas visitas é possível notar algumas famílias que se organizam “em torno” de um aparelho de TV sempre ligado. Há ainda outras ovelhas que vivem com tantas restrições que nos surpreendemos com a fidelidade delas na entrega dos dízimos e ofertas. O que dizer ainda daquelas famílias nas quais nem todos são crentes? Enfim, as visitações acabam relevando aspectos tão importantes do rebanho que o pastor poderá crescer em sensibilidade e atenção em relação a suas ovelhas.
- Oportunidades evangelísticas. Nesse sentido, se o pastor visita membros de sua igreja cujos parentes não são crentes, ele não apenas dá um bom testemunho do cuidado que os crentes têm uns com os outros, como também pode se dispor a responder algumas perguntas sobre a fé cristã. Algumas pessoas não crentes talvez não se interessem em frequentar a igreja antes de perceber o quanto o pastor dessa igreja cuida de suas ovelhas, e isso pode ser demonstrado na visita pastoral. A mesma dinâmica ocorre quando esse pastor visita membros do seu rebanho em locais de trabalho ou estudos.
- A identificação de carências sociais. Nem todo membro da igreja se apresentará ao pastor para compartilhar seu estado social ou financeiro. Todavia, quando o pastor visita suas ovelhas ele pode ter os olhos abertos para algumas necessidades básicas que elas enfrentam. Ele pode identificar se há alguém desempregado, saber se estão sendo suficientemente supridos, se possuem condições para os medicamentos necessários, se os diáconos da igreja devem ser acionados para prestarem alguma assistência à família visitada. Enfim, a boa obra da visitação pode ser instrumental na identificação dos necessitados.
- O cuidado com os enfermos espirituais. Toda igreja possui alguns membros que, ocasionalmente, revelam certa frieza, falta de entusiasmo e descompromisso em relação às programações locais. Todavia, as melhores ocasiões para compreender as razões dessas pessoas são as visitas pastorais. O ambiente doméstico parece assegurar que a pessoa será ouvida em suas queixas e, no geral, ela abre seu coração mais facilmente nesses momentos. O pastor pode identificar exageros, crença errada, amarguras, ressentimentos ou qualquer outro sintoma de enfermidade espiritual. Mas o fato de ele ter atentado para aquela ovelha a ponto de visitá-la pode garantir a ele a oportunidade de falar ao coração enfermo.
- O enriquecimento na vida de oração e intercessão do pastor. Após visitar e conhecer melhor suas ovelhas, o pastor saberá como interceder especificamente por elas. Ele conhecerá suas alegrias, preocupações e ansiedades mais comuns e intensas e poderá apresentá-las ao Senhor em oração de maneira individual e não apenas genericamente. Dependendo da situação de cada ovelha, o pastor poderá ser levado a orar mais intensamente por ela. Enfim, sua vida de oração pelos santos será enriquecida e ele poderá interceder pelo seu rebanho de maneira mais significativa.
- Crenças e pensamentos errados podem ser corrigidos com maior eficácia. A congregação que ouve o pastor dominicalmente, no geral, o faz de maneira seletiva. Nem tudo que o pastor ensina é corretamente compreendido ou aceito. O culto público, seguido pelas rápidas interações com o pastor, não oferece ao membro da igreja muita oportunidade de aprofundar o estudo ou responder alguma dúvida restante. Logo, é possível que algumas ovelhas cultivem crenças e pensamentos errados sobre diferentes assuntos que necessitam ser corrigidos. A visita doméstica proporciona uma excelente ocasião para esse discipulado mais eficiente quanto a essas questões.
- O enriquecimento da pregação, especialmente quanto à aplicação do sermão. Nenhum programa de visita pastoral deve estabelecer a agenda do que será pregado no púlpito, mas certamente o púlpito será beneficiado por essa prática. Compreender a condição de nossos ouvintes sempre é útil no processo de ensinar e aplicar as Escrituras a eles. O escritor da carta aos Hebreus deixou de abordar em sua carta alguns assuntos que seus leitores não estavam em condição de entender, pois eles haviam se tornado “tardios em ouvir” (Hb 5.11). Em outras palavras, ele aplicou sua mensagem de maneira apropriada à compreensão dos seus leitores.
- Nas visitas o pastor não compartilha apenas o seu conhecimento, mas sua vida. Ao refletir seu ministério entre os tessalonicenses o apóstolo Paulo afirmou oferecer a eles “não somente o evangelho de Deus, mas, igualmente, a própria vida” (1Ts 2.8). É interessante observar que além de conhecer melhor as ovelhas do rebanho nas visitas pastorais, o ministro também permite que elas o conheçam melhor. Esse compartilhamento de vidas é fundamental para o estabelecimento de amizades e o fortalecimento dos laços fraternais.
- As visitas pastorais livram o ministro de viver dentro de uma redoma. O propósito da redoma é proteger certos objetos ou plantas, mas ao mesmo tempo ela acaba isolando o que se encontra sob sua proteção. Infelizmente, há pastores que preferem se manter dentro de seus círculos de proteção, sejam esses a sala de estudos, o ambiente virtual ou a própria residência e não se dispõem a conhecer o estado de suas ovelhas, as dificuldades que elas enfrentam e vários outros aspectos do “mundo real”. No geral, o discurso desses pastores é piedoso, porém, nada prático. Assim, as visitações nos impedem de distanciarmos da vida diária de nossas ovelhas.
- O benefício de sermos consolados quando pensávamos em consolar. Esta é uma experiência de muitos que saíram para levar uma palavra de consolo a alguém sofrendo, mas ao chegar na residência, o testemunho de fé e firmeza da pessoa visitada foi tamanho que quem visitava foi consolado. Nesses casos, geralmente saímos da visita nos perguntando quem foi mais abençoado por aquela atividade! Por isso, o encorajamento com irmãos e irmãs, advindo das visitas regulares, é importantíssimo para o ministro do Evangelho.
De fato, muitos seminários ensinam os futuros pastores a pregar, fazer exegeses bíblicas, administrar igrejas, falar em público e tantas outras coisas necessárias ao exercício ministerial. Conquanto tudo isso seja imprescindível, não se pode minimizar a importância das visitas pastorais onde o pastor pode ouvir, aconselhar e discipular suas ovelhas no contexto doméstico. Franklin Dávila corretamente afirma: “o pastoreio de uma igreja começa a partir da casa dos membros. A igreja nasce nas casas”.[4]
[1] DÁVILA, Franklin. Visitação pastoral. Aracaju, SE: Primeira Igreja Presbiteriana de Aracaju, 2005, p. 5.
[2] RAINER, Thom. Fifteen reasons why your pastor should not visit much. Disponível em: https://thomrainer.com/2016/08/fifteen-reasons-pastor-not-visit-much/. Acesso em: 02.12.2019.
[3] DÁVILA, Visitação, p. 8.
[4] DÁVILA, Visitação, p. 10